Natureza em estado puro

Lenda Salamanca do Jarau

19/05/2010 20:05

A SALAMANCA DO JARAU

I

Era um dia…

um dia, um gaúcho pobre, Blau, de nome, guasca de bom porte, mas que só tinha de seu um cavalo gordo, o facão afiado e as estradas reais, estava conchavado de posteiro, ali na entrada do rincão; e nesse dia andava campeando um boi barroso.

E no tranquito andava, olhando; olhando para o fundo das sangas, para o alto das coxilhas, ao comprido das canhadas; talvez deitado estivesse entre as carquejas – a carqueja é sinal de campo bom -, por isso o campeiro às vezes alcançava-se nos estribos e, de mão em pala sobre os olhos, firmava mais a vista em torno; mas o boi barroso, crioulo daquela querência, não aparecia; e Blau ia campeando, campeando…

Campeando e cantando:

Meu bonito boi barroso
Que eu já contava perdido
Deixando o rastro na areia
Foi logo reconhecido

Montei no cavalo escuro
E trabalhei logo de espora
E gritei – aperta, gente
Que o meu boi se vai embora

No cruzar uma picada
Meu cavalo relinchou
Dei de rédea para a esquerda
E o meu boi me atropelou!

Nos tentos levava um laço
De vinte e cinco rodilhas,
Pra laçar o boi barroso
Lá no alto das coxilhas!

Mas no mato carrasquento
Onde o boi ‘stava embretado
Não quis usar o meu laço
Pra não vê-lo retalhado

E mandei fazer um laço
Da casca do jacaré
Pra laçar meu boi barroso
Num redomão pangaré

E mandei fazer um laço
Do couro da jacutinga
Pra laçar meu boi barroso
Lá no pasto da restinga

E mandei fazer um laço
Do couro de capivara
Pra laçar meu boi barroso
Nem que fosse a meia-cara

Este era um laço de sorte,
Pois quebrou do boi a balda

No tranquito ia, cantando, e pensando na sua pobreza, no atraso das suas cousas.

No atraso das suas cousas, desde o dia em que topou – cara a cara! – com o Caipora num campestre da serra grande, pra lá, muito longe, no Botucaraí…

A lua ia recém-saindo…; e foi à boquinha da noite…

Hora de agouro, pois então!

Gaúcho valente que era dantes, ainda era valente, agora; mas, quando cruzava o facão com qualquer paisano, o ferro da sua mão ia mermando e o do contrário o lanhava…

Domador destorcido e parador, que por só pabulagem gostava de paletear, ainda era domador, agora; mas, quando gineteava mais folheiro, às vezes, num redepente, era volteado…

De mão feliz para plantar, que lhe não chocava semente nem muda de raiz se perdia, ainda era plantador, agora; mas, quando a semeadura ia apontando da terra, dava a praga em toda, tanta, que benzedura não vencia…; e o arvoredo do seu plantio crescia entecado e mal floria, e quando dava fruta, era mixe e era azeda…

E assim, por esse teor, as cousas corriam-lhe mal; e pensando nelas o gaúcho pobre, Blau, de nome, ia, ao tranquito, campeando, sem topar co’o boi barroso.

De repente, na volta duma reboteira, bem na beirada dum boqueirão sofrenou o tostado…; ali em frente, quieto e manso, estava um vulto, de face tristonha e mui branca.

Aquele vulto de face branca… aquela face tristonha!…

Já ouvira falar dele, sim, não uma nem duas, mas muitas vezes… e de homens que o procuravam, de todas as pintas, vindos de longe, num propósito, para endrôminas de encantamentos…, conversas que se falavam baixinho, como num medo; pro caso, os que podiam contar não contavam porque uns, desandavam apatetados e vagavam por aí, sem dizer cousa com cousa, e outros calavam-se muito bem calados, talvez por juramento dado…

Aquele vulto era o santão da salamanca do cerro.

Blau Nunes sofrenou o cavalo. Correu-lhe um arrepio no corpo, mas era tarde para recusar: um homem é para outro homem!

E como era ele quem chegava, ele é que tinha de louvar; saudou:

- Laus’Sus-Cris!

- Para sempre, amém! – disse o outro, e logo ajuntou: - O boi barroso vai trepando cerro acima, vai trepando… Ele anda cumprindo o seu fadário…

Blau Nunes pasmou do adivinho; mas repostou:

- Vou no rastro!

- Está enredado…

- Sou tapejara, sei tudo, palmo a palmo, até à boca preta da furna do cerro…

- Tu… tu, paisano, sabes a entrada da salamanca?

- É lá?… Então, sei, sei! A salamanca do cerro do Jarau!… Desde a minha avó charrua, que ouvi falar!

- O que contava a tua avó?

- A mãe da minha mãe dizia assim:

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